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Reflexão Pessoal

O Pomar

  De olhos fechados sinto as carícias da brisa que balança os meus cabelos. Com ela vem o cheiro doce das tangerinas que crescem em algumas das diversas árvores que me rodeiam. O meu estômago implora por um daqueles pedacinhos de paraíso, mas mantenho-me sentada na relva, com a mente focada no som das folhas agitadas e da água corrente. Sorrio largamente quando encontro na memória os tons de verde brilhante abraçados pelo azul forte, que tomava o céu ainda há pouco. Aquela paleta de cores era uma clara fonte de esperança, um belo sinal de vida... Toda aquela paisagem era digna de um quadro que, provavelmente, ficaria conhecido como o "Pomar", uma mera palavra que não consegue nem remotamente transmitir a emoção deste local, deste momento... Não se pode pedir muito! Afinal como ser capaz de descrever a natureza na perfeição, com todas as suas faces e feitios?  
  O harmonioso canto dos pássaros apazigua o meu peito e a minha mente atormentada. Respiro fundo! Liberto as mágoas passadas e o peso de viver. Neste instante, lembro-me que esta pintura é algo tonto. Tudo isto, na verdade, é algo tonto; somente um sonho; uma lembrança de tempos passados. 
  Abro os olhos já marejados, permitindo o cair de pacíficas lágrimas pelo meu rosto. À minha frente vejo os edifícios caídos, destroçados. Há muito tempo que os deixamos de habitar. A humidade, as baratas, as ratazanas roubaram-nos assim que a crise se agravou. Decidimos ocupar as florestas...ou o que restava delas. Para isso, matamos os "nossos inimigos" – os pobres animais que só pediam um sítio para viver, que só pediam um pouco de paz. A fauna e a
flora que tantas vezes limparam as nossas lágrimas com a sua beleza e serenidade foram desaparecendo gradualmente: as flores, os lagos, as árvores, os animais, os riachos... Nada sobrou além das cinzas...além de nós. Mas também falta pouco para os míseros humanos que sobreviveram perecerem. O choro das crianças é a prova. Lágrimas não lhes caem dos olhos pois estão desidratadas, mas os gritos e os resmungos são audíveis. Nasceram e cresceram nesta era, mas a fome ainda não assinou com elas um acordo de paz. Não as julgo!... Estou tão desesperada quanto elas, tão frustrada quantos elas...tão perdida quanto elas. Talvez doesse menos se não tivesse vivido a era dourada, a era em que os animais, ainda com alguma carne entre a pele e os ossos, percorriam o mundo, em que os frutos caíam das árvores e a humanidade estava focada em problemas menores: "quem vai vencer o próximo campeonato mundial de futebol?". 
  Se conseguisse ver uma estrela cadente no meio de toda esta camada cinza formada por erros, eu desejaria voltar atrás, retornar a esses tempos, recomeçar, para ter agido enquanto ainda havia tempo.

por Soraia Soares 

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